O texto: Seleção de crônicas publicadas no jornal El Mundo, entre 1928 e 1942, por Roberto Arlt. Entre as diversas percepções da vida pelas ruas de Buenos Aires, apresenta-se aqui uma compilação de textos nos quais o cronista passeia pelas zonas portuárias da cidade e convida a entrar em contato com o movimento viscoso das águas, com o ranger metálico das embarcações, com os cheiros hediondos do ambiente. A matéria em decomposição de muitas das naves encontradas aparece como a putrefação de grandes símbolos do progresso, como o reverso da vida que se anuncia como promessa e se revela extirpada. O corpo enrijecido desses amontoados de ferrugem repousa no conforto das águas e parece haver um desejo de insuflar um sopro de vida entre seus poros abertos. Os nutrientes para essa vida renovada veem do universo dos sonhos, das fantasias abertas por esse território limítrofe onde os estrangeiros despertam a curiosidade por terras inexploradas, línguas incompreensíveis, histórias desconhecidas. Os textos convidam a morrer um pouco em todos os portos do mundo, a gozar a pequena morte de se entregar à imaginação, de se deixar viver fora do universo material reconhecido e do uso útil do tempo exigido.
Texto traduzido: Arlt, Roberto. Obras. Aguafuertes. Buenos Aires: Losada, 1998.
O autor: Roberto Arlt escreveu romances, contos, crônicas, peças de teatro. Em suas crônicas deixou um conjunto incalculável de impressões sobre a vida na cidade, sobre os encantos e paradoxos da modernidade em expansão. Sua escritura está marcada pelo sarcasmo, pela corrosão de que a linguagem é capaz e pela operação de distorção de que pode se valer a literatura para provocar a língua, para retirá-la da normatividade e permitir-lhe a contaminação daquilo que lhe é estranho.
A tradutora: Eleonora Frenkel é professora substituta de Teoria Li-terária na UFSC. Concluiu seu mestrado em Estudos de Tradução com pesquisa sobre as traduções para o português do romance Los siete locos (R. Arlt, 1927) e seu doutorado em Teoria Literária sobre as crônicas de Arlt e as gravuras de Goya.