PRÉVIA (n.t.) 23º

“Se te queres matar...” Para uma Crítica da razão suicida
“Si te quieres matar…” Hacia una Crítica de la razón suicida
“If you want to kill yourself…” For a Critique of Suicidal Reason
Julio Cabrera

O texto: Ensaio inédito do filósofo argentino radicado no Brasil, reconhecido internacionalmente pelos seus estudos em matéria de ética negativa e considerado um dos principais representantes latino-americanos do antinatalismo contemporâneo, movimento que antecipou em seu livro Projeto de ética negativa, de 1989, onde já falava da imoralidade da procriação. O presente texto condensa o sistema de bioética negativa desenvolvido por Cabrera ao longo da sua obra, em livros como a Crítica de la moral afirmativa (2014, 2ª edição), Mal-estar e moralidade (2018) e Discomfort and moral impediment (2019). À diferença das abordagens tradicionais do suicídio, que o situavam dentro da tese da bondade intrínseca da vida, Cabrera insere a questão do suicídio dentro do contexto antinatalista. Isto significa indagar se, uma vez que aceitamos que a vida humana não é boa – mas, no máximo, suportável – e que o ato procriador é moralmente problemático (tese central do antinatalismo), disso decorre ou não o suicídio imediato. No texto se defende a ideia de que o suicídio é uma possibilidade real da vida, logicamente plausível e eticamente defensável, possibilidade que pode realizar-se de imediato, mais adiante ou nunca. Essa realização acontece quando os atritos da estrutura terminal da vida, recebida no nascimento, predominam totalmente sobre a criação intramundana de valores positivos, tornando a vida insuportável. Esta abordagem pessimista e antinatalista resgata o suicídio do mito do seu suposto “enigma” e contribui para uma humanização do ato. O artigo constitui uma genuína Crítica no sentido kantiano (Kritik), uma teoria filosófica – na intersecção entre ontologia, epistemologia, ética, política e estética – que busca determinar os limites e as condições de possibilidade do suicídio como escolha de vida e de morte (voluntária) eticamente justificada. Ontologia: falar de suicídio exige falar de nascimento, da estrutura do mundo e especialmente da vida humana, em sua terminalidade constitutiva. Epistemologia: as razões do suicídio são tão compreensíveis, e tão opacas, quanto as razões da vontade de viver a qualquer custo. Ética: a decisão de matar-se ou prosseguir cabe unicamente ao indivíduo, que detém a última palavra. Política: é preciso compreender e aceitar a escolha do suicida, sem condená-lo ou louvá-lo. Estética: é preciso pensar a própria morte, segundo as palavras de Ronald Dworkin, como “o efeito da última cena de uma pela teatral”. Entendendo que o trabalho da filosofia consiste em virar o mundo e a vida às avessas, questionando suas convenções e sua própria estrutura, contra o senso comum, Cabrera desconstrói preconceitos e tabus atávicos, argumentando – usando Kant contra ele mesmo – que, se não existe nenhum imperativo moral que diga que “deve-se viver a qualquer custo”, existe o imperativo “deve-se estar disposto a morrer quando a moralidade assim o exige”. Retomando o célebre Elogio de Erasmo de Rotterdam, somente a loucura nos faz perseverar na vida apesar de tudo, e essa continuidade pode ser tão moralmente digna quanto a escolha pela morte voluntária. Em uma tensão dialética iluminadora com grandes pensadores da tradição filosófica europeia, como Agostinho, Erasmo, Kant e Sartre, esta Crítica da razão suicida é um aporte filosófico essencial em torno da questão – “humana, demasiado humana” – do suicídio. Detalhe: “Se te queres matar...” é o título de um poema de Fernando Pessoa, citado por Cabrera.

O autor: Julio Cabrera, filósofo nascido em meados do século XX e programado para morrer em inícios do século XXI, natural de Córdoba (Argentina), em cuja universidade (a terceira mais antiga da América Latina, de 1613) obteve seu doutorado em filosofia da linguagem e estética. Proponente de uma filosofia pluralista da linguagem, de uma ética negativa, de uma abordagem negativa da argumentação e de uma teoria logopática do cinema, é autor de aproximadamente duas dezenas de livros, alguns em coautoria, além de numerosos artigos em países europeus (Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, França) e latino-americanos (Colômbia, Chile, México, Uruguai, Venezuela, Argentina, Brasil). Entre seus livros mais relevantes estão Projeto de ética negativa (São Paulo, 1989: 2011), A Lógica condenada (São Paulo, 1987), Crítica de la Moral Afirmativa (Barcelona, 1996: 2014), Cine: 100 años de filosofía (Barcelona, 1999: 2015), Margens das filosofias da linguagem (Brasília, 2003: 2009), Diário de um filósofo no Brasil (Ijuí, 2010: 2013), Mal-estar e Moralidade (Brasília, 2018), Discomfort and moral impediment e A negative approach to argumentation (ambos em Inglaterra, 2019), e Devorando Nietzsche. Por um niilismo sul-americano (Bahia, 2022).

Os tradutores: Versão espanhola, original do autor; para a versão inglesa, tradução de Rodrigo Menezes.

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“Si te quieres matar…” Hacia una Crítica de la razón suicida | “If you want to kill yourself…” For a Critique of Suicidal Reason
. (n.t.), n. 23, vol. especial, 2021, pp. 12-58.


© (n.t.) Revista Nota do Tradutor
ISSN 2177-5141