PRÉVIA (n.t.) 28º

Cânticos de amor sumérios
Šu-Suen B, Dumuzi-Inanna B e Dumuzi-Inanna H

Anônimo

O texto: Três composições pertencentes ao conjunto canônico dos cânticos de amor sumério, compostos durante o período da Antiga Babilônia (ca. 1900-1600 a.C.). Trata-se de uma poesia cúltica, que aborda a relação amorosa e a união divina entre Dumuzi e Inanna, os deuses mesopotâmicos da fertilidade e do amor. Segundo assiriólogos, este “casamento sagrado”, que era precedido por festas e banquetes acompanhados de música e dança para celebrar o Ano Novo, deveria garantir a fertilidade e a prosperidade para o ano vindouro, embora não haja indícios se, de fato, o rito ocorreu de forma anual ou ocasional. Conforme ocorre com a maioria das obras sumérias, cada cântico representa uma categoria própria, atribuída pelos próprios escribas sumérios, com um subscrito ao final de cada composição, indicando balbale ou tigi. Os dois primeiros cânticos são designados como balbale, denominação obscura que parece indicar que esse estilo de composição deveria ser recitado em certas celebrações da corte ou do templo, talvez de maneira antifônica, enquanto que o terceiro se trata de um tigi, uma espécie de hino que deveria ser acompanhado de um tambor, dividido em duas seções: sagidda e sagarra, que parecem se referir à afinação dos instrumentos de corda ou ao aperto ou afrouxamento da pele dos de percussão.
O primeiro cântico, “Canção de amor de Shu-Suen”, considerado o mais antigo poema de amor do mundo, retrata o “casamento sagrado” em que Shu-Suen, um rei da III dinastia de Ur, na figura de Dumuzi, se casaria simbolicamente com uma suma sacerdotisa do templo, na figura de Inanna. Trata-se de um monólogo em que Inanna anseia pela visita de Dumuzi, dirigindo-lhe palavras e súplicas de amor, o qual pode ter sido recitado pela suma sacerdotisa escolhida por Shu-Suen em uma dessas celebrações anuais. O desfecho parece remeter a um convite à união sexual, mediante uma linguagem pouco clara atualmente. O segundo, “Canção-balbale para Inanna e Dumuzi”, é dividido em duas partes: a primeira (entre os versos 1-12), escrita no dialeto emergir, consiste em epítetos carinhosos proferidos por Dumuzi à sua amada Inanna; a segunda (entre os versos 13-32), escrita no dialeto emesal, consiste nas respostas da deusa, em que ela pede ao amante que jure não ter tido casos amorosos. Dumuzi então faz um juramento, tocando-a e beijando-a. O poema se encerra com a mesma descrição metafórica do amado com que iniciou, mas desta vez por parte de Inanna, que exalta os encantos do seu amante. E o último, “Canção-tigi para Inanna e Dumuzi”, trata-se de um diálogo entre Inanna e Dumuzi que haviam se cortejado na juventude antes do matrimônio. Nele, Inanna fala de seu encontro casual com Dumuzi, enquanto ele expõe suas artimanhas para consagrar a união sexual. Parte da tabuinha está fragmentada, e não se sabe o que aconteceu entre o casal, isto é, se Inanna respondeu ao cortejo ou se convidou Dumuzi à sua casa a para que ele pedisse a mão dela. Encerra-se com um louvor, presumivelmente proferido pela deusa Ningal, mãe de Inanna, para Dumuzi, que o considera digno do colo puro de sua filha.
Textos traduzidos: confira na revista.

O autor: Autoria anônima. Três tabuinhas em cuneiforme sumério, oriundas de Nippur (atual Nuffar, no Iraque), datadas de 1900-1600 a.C. As tabuinhas Ni 02461 (Šu-Suen B) e Ni 02489 (Dumuzi-Inanna B) se encontram no Museu Arqueológico de Istambul, na Turquia, e a tabuinha HS 1486 (Dumuzi-Inanna H), na Coleção Hilprecht, Universidade de Jena, na Alemanha. Como conjunto canônico, os “cânticos de amor” foram organizados e intitulados pelo assiriólogo Yitschak Sefati, do Instituto Kramer de Assiriologia da Universidade BarIlan (1997). Título em cuneiforme reconstituído pela tradução: bal-bal-e inanna-kam / ti-gi inanna-kam, literalmente, “Canção-balbale e canção-tigi de Inanna”.

O tradutor: Gleiton Lentz, editor da (n.t.), é pós-doutor em Estudos da Tradução (PGET/UFSC), doutor em Literatura (UFSC/Università di Firenze), tradutor e revisor. Dedica-se ao estudo das escritas antigas e suas literaturas, incluindo a maia e a suméria. Já ministrou cursos de língua e cultura suméria para a Casa Guilherme de Almeida e para a Babel Tradutória (Great/Usp). Para a (n.t.) traduziu En-hedu-Ana, o Hino a Nisaba e O diálogo do pessimismo.

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☞ ANÔNIMO. Cânticos de amor sumérios | bal-ba-le inanna-kam / ti-gi inanna-kam.
Trad. Gleiton Lentz. (n.t.), n. 28, vol. ilustrado, jun. 2024, pp. 09-25.


© (n.t.) Revista Nota do Tradutor
ISSN 2177-5141